17 de maio de 2009

Kes (1969)

Um filme de Ken Loach
















“Kes” foi um murro no estômago, uma lufada de ar fresco no cinema dos anos 60. Ken Loach é um cineasta que admiro e muito. Ele já demonstrou que sabe o que faz e o que quer fazer. É político, crítico, denunciador de uma sociedade podre e decadente num país não diria negro, mas cinzento. Aqui, Ken Loach debruça-se sobre a infância, a ausência de afecto paternal/maternal, a educação e a falta desta, a impaciência dos professores, enfim, o cineasta reflecte duramente numa questão sociopolítica dum país em decadência. David Bradley é completamente brilhante no papel de Billy, o rapaz problemático que vive com a mãe divorciada e ausente, e o irmão que o maltrata e despreza. Este é o ambiente familiar de Billy, degradante, deprimente e próprio de uma família disfuncional. Billy é nos apresentado como um rapaz inócuo, perdido na sua condição familiar e educacional. O seu talento está escondido. É revelado quando se interessa por falcões. Kes é o nome do falcão que ele vai treinar, ele vai entregar-se com muita dedicação a um estudo (mal sabe ler mas rouba um livro sobre falcões e aprende como treiná-los) e prática diária para o treinar. A sua relação com o animal vai muito mais além do simples afecto doméstico. Ela atinge o respeito, a admiração. E aqui podemos fazer um termo de comparação entre Billy e Kes ao referir a palavra selvagem. Porque realmente os dois são selvagens, no caso de Billy falamos de um interior selvagem, uma liberdade procurada que o faz fugir a todo o meio em que está inserido, quer familiar quer escolar, essa ansiedade em libertar-se de tal condição e esse respeito pelo animal que ele adquire. Billy revê-se em Kes, ele identifica-se com o falcão e esse respeito, esse fascínio de Billy por Kes advém daí.

O filme tem duas cenas fabulosas, de génio e que ilustram de forma magnífica, respectivamente, a estupidez e a inteligência de um professor em lidar com crianças que não revelam interesse de estudo. A primeira cena traz-nos um professor de educação física que é do mais néscio e ignorante que pode existir. Um professor fanático por futebol e o seu Manchester United, que abusa do seu poder, que maltrata os alunos e que tudo o que faz é jogar futebol com eles conforme lhe convém. Além de ser uma cena bastante caricata é uma crítica ao sistema educacional da época nas pequenas localidades da Inglaterra. A segunda cena oferece-nos o poder de compreender uma criança, a visão de Ken Loach de como lidar com uma criança problemática, tímida na comunicação relativamente aos seus interesses e aparentemente apática, derrotada por uma sociedade cruel. Nesta cena, Loach mostra a habilidade de um professor em conseguir “soltar” uma criança. A forma de o fazer revelar os seus gostos, aquilo que realmente lhe interessa e o fascina. De facto, nem só de crítica vive “Kes”. Ken Loach não é de todo pessimista e no meio de todo este panorama sociopolítico deformado ele encontra alguém que traz esperança, como é o caso deste professor.
Ken Loach mostrava já indícios do seu cinema naturalista e cru nesta sua segunda obra. “Kes” é um drama sociopolítico cru e duro que emociona. Magnífico.

4 comentários:

LN disse...

Conheço alguns do Ken Loach e gosto muito também, sobretudo do Sweet Sixteen. Não conheço este, mas parece-me filme a descobrir.

Álvaro Martins disse...

É muito bom, tens que ver.

arqpita disse...

Estou com o filme. Vou assistí-lo hoje à noite. Só consegui assistir até hoje Depois daquele beijo, ventos da liberdade, terra e liberdade, meu nome é Joe e pão e rosas. Gostaria muito de ver uma canção para Carla e Sweet Sixteen, mas onde encontrar em dvd? Abrçs.

Edison disse...

Assisti o filme ontem a noite. Realmente é belíssimo e extremamente crítico e duro. O final é magnífico, lindo ... a crueza ( e a momentânea falta de esperança) é tão simples que e é de emocionar!