31 de agosto de 2009

E hoje apeteceu-me recordar

Sétima Legião - Noutro Lugar e Sem Ter Quem Amar ao Vivo



Sétima Legião - Por Quem Não Esqueci ao Vivo

How Green Was My Valley (1941)

Um filme de John Ford










“(…) À época, pareceu viragem de 180° que o «revoltado» Ford das Vinhas da Ira (que não chegou a ser título português de The Grapes of Wrath porque a censura se encarregou de o proibir) aparecesse em How Green Was My Valley a defender os valores menos associados à revolta: Deus, Pátria e Família. É neste filme que Donald Crisp chama à greve «socialist nonsense», recusando-se a aderir a ela e tentando proibir os filhos de o fazer. A discussão azeda em torno da velha mesa patriarcal. E o Pai proíbe que ela continue. Quem quiser coisas dessas não tem lugar naquela casa. E é então que, um a um, os cinco filhos mais velhos se levantam e saem. Fica só o mais novo – Roddy McDowall –, criança ainda, e fica um enorme silêncio perante aquele primeiro «assassinato do pai». Depois, o miúdo tosse e, sem o olhar, Donald Crisp diz muito devagar: «Yes, my son, I know you are there.»
(…) Desde o início, o filme é inscrito numa soberana harmonia entre o olhar e o olhado, entre o dito e o visto. Recorrendo à voz off de uma criança (como em tantos outros filmes dos forties) a magia começa quando o narrador começa a evocar a vida que se vivia cinquenta anos antes. E sobre as imagens da única rapariga da família – Maureen O’Hara – e do pai com a mão pousada sobre o ombro do filho (imagem que voltará com outras, no final, num efeito de recorrência tão típico de Ford) ouvimos os cânticos do País de Gales e ouvimos o miúdo dizer que «cantar está para o meu povo, como ver está para os olhos».
Depois, essa tão grande nostalgia que todo o filme «respira» é dada em breves planos do quotidiano (o dinheiro que os filhos ganham a cair no avental da mãe, os banhos, as refeições, a rapariga crescida no meio de homens sem falsos pudores). Nunca, talvez, uma figura de «passado indefinido» tenha sido tão poderosamente criada em cinema. Tudo o que vemos no presente ao passado pertence, tudo o que sucede é já efémero e perecível. Dantes (um dantes anterior ao próprio filme) fora a imobilidade do vale. Há 50 anos, tudo tinha começado a mudar e Roddy McDowall é a última testemunha dessa transição fatal e letal. Como diria Augustina, há coisas que fazem tanta pena. Todo o filme está nessa pena, nesse espaço «entre».
Ao princípio, é o primeiro casamento. Bronwen (Anna Lee), a tão bela Bronwen, vem para casar com um dos filhos do vale. E o miúdo diz-nos que imediatamente se apaixonou por ela. It’s perhaps foolish a child being in love, mas aconteceu. E esse casamento – sem que ninguém o saiba – é o último «momento verde» da vida da família, com a portentosa festa e a portentosa alegria.
(…) Quem disser que este filme é reaccionário é porque nada sabe do sagrado. Filmado com a luz de Dreyer, em torno da mesma linha fundamental (as verticais) How Green Was My Valley é a obra que mais comoventemente mostrou, em acções concretas e planos americanos, sentimentos tão simples – ou tão complexos – como a dignidade, a liberdade e a frontalidade.
Nunca deixarei de me espantar com olhar tão limpo e tão límpido. Como Roddy McDowall diz do pai, nenhum filme me existe na memória tão real como na vida, amando e amado sempre.
E não há filme que me faça mais saudades.”


João Bénard da Costa

26 de agosto de 2009

Public Enemies (2009)

“Public Enemies” resume-se a entretenimento. Michael Mann, e apesar de todo o entusiasmo com que Luís Miguel Oliveira (crítico do Público) defende aquela que ele chama de obra-prima do cineasta norte-americano – falo de “Miami Vice” –, não fez, a meu ver, nenhum outro filme que superasse “The Last of Mohicans”, tendo ainda feito “Heat” – filme que se aproximou daquela que é a sua obra-prima quanto a mim.

Mas relativamente a “Public Enemies”, e, aproveitando o termo do crítico do Público, o filme é a história de um ladrão analógico. Sim, é verdade, a analogia é indubitável. Analogia com outros tantos criminosos que existiram nesse país. E todo o filme de Mann fez-me lembrar as cowboyadas americanas de outrora. E Dillinger fez-me lembrar Billy the Kid. Mas talvez seja eu a confundir…
E por isso recuso-me a aceitar este filme como um grande filme de acção. É verdade que Mann conquista o espectador pela câmara, pelos travellings que cria, pela mise-en-scène virtuosíssima a fazer lembrar Spielberg em “Saving Private Ryan”. E assim consegue uma maior proximidade do espectador com as personagens. Mas depois perde-se no jogo do rato e o gato. Perde-se na narração da história, na constante evocação do criminoso perigoso mas dócil para com a sua amada, na repetição imutável do criminoso que vive o presente e teme planear o futuro até ao momento em que perde todos os amigos.

Resumindo, Michael Mann faz um filme violento onde pretende adoptar um estilo noir (o que não consegue) e desilude na condução narrativa que mostra, na previsibilidade com que conduz a narração. Por fim, gostei de Depp e de Marion Cotillard, mas Bale deixou muito a desejar.

Os Meus Posters de Cinema XI

The Godfather de Francis Ford Coppola

Videoclips que me enchem o olho - Parte XX

Creed - One Last Breath

24 de agosto de 2009

12 Angry Men (1957)

Um filme de Sidney Lumet







Sempre pensei neste filme como um manifesto. Um manifesto de Lumet em denunciar o absurdo de um julgamento por júri. E Lumet até vai mais longe, porque expõe uma fragilidade no sistema judicial americano. E "12 Angry Men" foi o filme de estreia do cineasta que até ali só tinha feito televisão. E mais surpreendente é pensar que depois de 17 dias a filmar e com um orçamento baixíssimo Lumet fez um grande filme. Uma verdadeira crítica ao poder.

19 de agosto de 2009

The Deer Hunter (1978)

Um filme de Michael Cimino












O que dizer desta obra-prima? Que é um dos melhores filmes de sempre sobre a guerra do Vietnam. Que é uma das melhores interpretações de Robert de Niro, de Christopher Walken, de Meryl Streep e, talvez, a melhor de John Savage. Que é a par de "Heaven's Gate" as obras-primas de Cimino. Sei lá, um filme que começa num casamento e acaba num funeral, um filme que é verdadeiramente o filme sobre as consequências dessa guerra, um filme sobre o antes, o durante e o depois da guerra. Ao dizer obra-prima está tudo dito.

17 de agosto de 2009

Os Meus Posters de Cinema X

O Couraçado Potemkin de Sergei Eisenstein

Vodka Lemon (2003)

Um filme de Hiner Saleem











Bom, muito bom.
No início lembrei-me de Kusturica e de Khudojnazarov. Sim, as semelhanças estão lá. O cinema peculiar e alegórico destes dois senhores está presente nesta obra. Mas essa semelhança é escassa. É diferente, menos hilariante, menos burlesca e mais poética, duma poesia romanesca mas contudo real, crítica da sociedade, das contrariedades da vida. É essencialmente belo, duma beleza ímpar, duma beleza que resulta duma fotografia espectacular e duma narrativa linear. E depois lembrei-me de Ceylan, talvez por toda a neve que está presente desde o início ao fim, mas também pela poesia e liberdade narrativa que mostra. E mais, às tantas veio-me à cabeça “Zemestan” do Rafi Pitts. A mesma neve, o mesmo tema social, o caos, a miséria, a luta pela sobrevivência. Sim, são filmes distintos. “Vodka Lemon” destaca-se na sua peculiaridade, no seu estilo que pende para todos estes de que falo mas que foge. E “Luna Papa” talvez seja o mais próximo, visualmente. Sem pensar na neve. Mas afasta-se depois na linguagem kusturicana que assume. E finalmente pensando bem, este cinema de Saleem faz lembrar o finlandês Aki Kaurismaki com toda a sua narrativa fria e absurda. Falo das relações pessoais que são criadas, como a aproximação de Hamo a Nina, ou a conquista da neta de Hamo pelo filho de Romik. E essa frieza humana aliada à frieza climática com toda a neve fez-me lembrar o finlandês. Até porque é um filme desolador, que pretende reflectir numa Arménia pós-Soviética. E engraçado é constatar que Saleem explora as fraquezas do capitalismo e condena-o mais do que ao comunismo. A certa altura, Hamo diz que estavam melhor no regime soviético, ao que outro lhe responde que não porque era uma ditadura. Mas Hamo não se convence e continua dizendo que isso não importa porque tinham melhor vida, menos miséria, mais dinheiro. E a verdade é que Hamo não deixa de ter razão, a verdade é que o capitalismo ainda piorou as coisas. Lembrei-me de Bartas, da sua constante procura na temática social e política do pós-comunismo, na sua exploração visual da miséria. Mas Bartas é outro cinema, completamente diferente. Nada tem a ver com este Saleem. Até porque “Vodka Lemon” tem momentos cómicos, ponderados é certo, mas estão lá. E é absurdo com todo o seu patriotismo, desde a cena em que o filho de Hamo compra uma garrafa de vodka limão (numa barraca que dá pelo mesmo nome e que dá o título ao filme) e pergunta a Nina (a empregada) o porque de se chamar vodka limão se sabia a amêndoas, ao qual ela responde “É a Arménia”; desde o casamento da neta de Hamo onde um ritual estranho é feito; até ao tiro que o filho de Hamo dá ao recém-genro.
“Vodka Lemon” é um filme belo, poético, com uma interpretação fabulosa de Romen Avinian no papel de Hamo, com uma realização competente e uma fotografia lindíssima.