30 de abril de 2010

La Vie de Jésus (1997)
















Isto sim é cinema do mais alto quilate, sem moralismos, sem sentenças, sem pretensões. Cru e frio, psicologicamente arrebatador. La Vie de Jésus é uma portentosa obra de estreia, mas essencialmente é tudo o que define o cinema de Dumont. Explícito e duro. Um olhar isento sobre aquele mundo, aquele meio social, sobre o nada, o vazio daqueles seres, daquela adolescência. Realista acima de tudo. Poderoso. Brilhante.

29 de abril de 2010

4 Copas (2008)



Nem todos os filmes, e na verdade não é assim uma coisa tão comum, estão interessados em gostar das suas personagens. E muito poucos querem, e sabem, mostrar a cada plano o amor que têm pelas suas personagens. A reduzirem-se - tarefa ingrata - as virtudes de "4 Copas" a uma só, essencial, fique-se com essa: a capacidade que o filme tem para se confundir, a cada momento, com um infinito amor pelo seu conjunto de personagens, como se fosse ele a guiá-lo, e declará-lo a principal razão da sua existência. Doce mesmo quando é implacável (o plano em que João Lagarto adormece antes de a mulher, Margarida Marinho, se deitar, e assim com um pacífico ressonar se mostra um casamento em falência técnica), terno mesmo quando é severo (a bofetada de Lagarto na filha, Rita Martins), "4 Copas" é um filme que parece feito para ele próprio, o filme, ficar a ver as suas personagens, ver o que elas fazem e como elas sentem, às vezes envergonhado com as suas falhas de carácter (os planos com Marinho, viciada no jogo, a rebaixar-se para conseguir algum dinheiro emprestado), outras orgulhoso das suas virtudes (a cabeça erguida, o peito cheio de ar, de João Lagarto na cena a seguir ao divórcio), mas sempre devotado. A verdade é que, como ensinou um velho cineasta francês, todos têm as suas razões, e é isso que torna a escolha difícil. Ou impossível: mesmo quando as personagens estão já todas zangadas umas com as outras (as três citadas mais a de Filipe Duarte), e não há um plano que possa conter duas delas ao mesmo tempo, o filme - e é talvez a sequência mais bonita - entra num vai e vem a saltar de umas para as outras, planos curtos sobre planos curtos, quase sem "avançar" coisa nenhuma, como se fosse só para conseguir estar com todas em simultâneo (e também para se descansar, e confirmar que elas são fortes, e se aguentaram durante o tempo em que a câmara as abandonou).


Isto é uma questão de olhar, na verdadeira acepção da palavra, e juntamente com este tipo de dramaturgia sussurrada, num tom menor (como todo o tom menor, uma questão de estilo, e de estilo clássico) que reflecte o esbatimento de uma inquietação numa resignação (redentora ou não), a marca distintiva do cinema de ficção de Manuel Mozos (embora fosse interessante defender que também se encontram estas exactas características num filme como "Ruínas"). "4 Copas" conta uma história "comum" como em "Xavier" ou no malfadado "Um Passo, Outro Passo e Depois...". Talvez não fosse tão "comum" a de "...Quando Troveja" mesmo se "4 Copas" conserva dele alguns ecos muito directos - Diana (Rita Martins), a miúda com nome de deusa da caça que para remendar o casamento do pai se põe a seduzir o homem que lhe seduziu a mulher, é um pouco como os "duendes" que nesse filme cuidavam da vida amorosa de Miguel Guilherme. Tornando-se a força motriz da história (espécie de pequena "metteuse en scène"), é também a personagem mais enigmática - nela coexistem a candura e a perversidade, mas as doses de uma e de outra coisa são cuidadosamente camufladas.

Gostar das personagens também implica respeitar-lhes o mistério. E, inevitavelmente, gostar dos actores. Dos secundários (a florista de Cristina Alfaiate, o "espanhol" de Vítor Correia) ao quarteto de "copas": a adolescente de Rita Martins é impecável, Filipe Duarte dá ao seu segurança de centro comercial o tom devidamente "sacudido" (ora por uma mulher ora por outra), João Lagarto empresta à sua personagem uma irrepreensível dignidade apardalada, e Margarida Marinho tem os modos cansados e vagamente assustados da Eleonora Rossi Drago dos filmes de Zurlini.


Luís Miguel Oliveira


Vi até ao minuto 17, mais coisa menos coisa. Não tenho tempo para perder com estes filmezecos.

Hard Candy (2005)




Lembrei-me disto. Porque gosto especialmente da forma como se invertem os papéis, o "capuchinho vermelho" passa a "lobo mau" e o "lobo mau" passa a "capuchinho vermelho", ou por outras palavras, o caçador passa a presa e a presa a caçador. Interessante. E Ellen Page é uma actriz que muito me apraz.

28 de abril de 2010

My Darling Clementine (1946)

















A história de Wyatt Earp contada por Ford. Pessoalmente, My Darling Clementine é muito melhor que Wyatt Earp de Kevin Costner, mas muito melhor. Só a interpretação de Henry Fonda vale mais que o filme todo de Costner, já para nem falar nos planos de Ford, no campo e contra-campo que O cineasta americano cria em todo o seu cinema, nas sombras do seu cinema, nos planos. My Darling Clementine é um filme brutal, cheio de enquadramentos fenomenais, constantemente recorrente a uma profundidade de campo prodigiosa que enaltece aquela América, aquele Monument Valley onde Ford tanto gostava de filmar. My Darling Clementine é filme de génio, é filme de quem consegue fazer simultaneamente algo tão belo e tão simples. Um cinema tão puro como a inocência dum recém-nascido. A forma esplendorosa de filmar o céu, as nuvens, o horizonte, enfim, a beleza do seu cinema - não me canso de o dizer. John Ford foi sem dúvida o melhor cineasta norte-americano de todos os tempos.

27 de abril de 2010

The Limits Of Control (2009)






























The Limits of Control é um enigma para solucionar, um assassinato para cumprir. Um exercício de cinema. Mas tudo muito profissional, muito organizado. A forma perfeita de matar alguém, o crime perfeito. E a forma como Jarmusch cria o personagem de Bankolé é exímia, como que a satirizar o herói americano (a forma como Bankolé caminha, como age, a série de rituais por quais se rege e que definem não só o filme como o personagem – o pedir sempre os dois cafés em chávenas separadas, o comer o papel logo depois de o ler, o diminuto (quase nulo) diálogo com os seus contactos – e o absurdo que as situações acarretam). Silencioso, sisudo, concentrado e observador. A dada altura uns putos seguem-no até que lhe perguntam: “és um gangster americano” ao que ele responde “não”. Mas é-o, e mais, é-o estereotipado, mitificado. Por isso logo a desconfiança por parte dos putos.

The Limits of Crontol extravasa sobretudo arte e cultura. A pintura (cada quadro que Bankolé vê – um por dia – define o momento que está prestes a acontecer, define o enigma que está por resolver. E aqui a relação espaço/tempo vincada em cada momento no qual Bankolé visita o Museu da Rainha Sofia, em cada momento no qual aquele homem solitário visita um quadro por dia.); a arquitectura com todos os planos dos edifícios/monumentos/museus de Madrid e posteriormente de Sevilha; a música quando visita aquele bar em Sevilha onde pela primeira vez vemos Bankolé sorrir; e o cinema nas várias conversas (ou diria monólogos já que ele se limita a responder não à pergunta “Usted no habla español, verdad?” – “o código”) com os seus contactos, onde primeiro se fala de The Lady From Shanghai (por Tilda Swinton) e posteriormente num filme finlandês (por John Hurt). E a arte introduz-se dentro do enigma, participa desse enigma, ou melhor, evidencia indícios para a resolução desse enigma. Grande filme.