8 de julho de 2012


“God's Little Acre” verte aquela América mítica do Ford do “Tobacco Road” ou do “Grapes of Wrath” ou do Kazan do “Baby Doll” ou do “A Streetcar Named Desire” ou até desse portento que é o “Street Scene” do Vidor, “filho” da Broadway e do teatro, coisa imensamente enraízada à terra, ao interior do país, àquela América profunda dos anos 20 e 30 onde um palmo de terra e a agricultura eram a grande riqueza que um homem podia ter, onde o sonho do ouro cegava o homem e o fazia mover montanhas e neste caso cavar buracos ano após ano em busca do tesouro, do ouro aqui e no “The Treasure of the Sierra Madre” do Huston como do petróleo no “Giant” do Stevens, filmes de garimpeiros e sonhadores e destemidos, coisas do pós-western. Mas onde o filme do Huston se embrenha numa epopeia mítica da busca ao ouro e das suas consequências, “God’s Little Acre” imerge da comédia e do paradoxal para lançar uma tragédia negra e subversiva sobre a demência e a peculiaridade duma família, coisa próxima, portanto, do “Streetcar” ou do “Tobacco Road” onde se foca sobretudo a complexidade familiar.


Deus…

Talvez, e este talvez tem muita força, “God's Little Acre” seja o filme mais religioso de Mann e onde essa religiosidade abrupta oscila entre a ganância ao ouro e o desejo da paz familiar… obsessão de Mann que brota e rompe daquela propriedade repleta de buracos numa das mais hilariantes temáticas de Mann, coisa que só pretexta para filmar a instabilidade familiar e aqui é mais que isso já que toda aquela família parece saída do asilo mais tresloucado do mundo, são coisas intempestivas e irascibilidades que irrompem e brutalmente atordoam e abalam o seio familiar (seja ele qual for) para num caos o tornar. É aí que Ty Ty, o pai, se destaca ainda que a sua loucura seja a maior de todas pois ele é o tal que cava buracos à 15 anos em busca do ouro que supostamente o avô escondeu ali, ele é o tal que rapta o albino lá do sítio porque Pluto, o candidato a xerife (um “brutote” que gosta da filha mais nova), lhe diz que os albinos têm o poder de encontrar coisas. No entanto, no meio de toda aquela demência e absurdismo familiar, ele (o patriarca) tudo faz e tudo promete para não desagradar a Deus, volátil como as horas mais desesperadoras do homem em que tudo lhe passa pela mente, vai mudando o seu god’s little acre, que é como dizer o seu pequeno campo de Deus (ora, esclarecendo, é uma parte da sua propriedade - da do patriarca (grandiosa interpretação de Robert Ryan) - que foi por si oferecida ou jurada a Deus juntamente com tudo o que lá nascer), conforme lhe convém sempre com o ouro em mente, são credos e utopias e loucuras e cegueiras e coisas mais fortes que o homem...


Obsessões…

Das loucuras insanas do patriarca sedento de ouro imergimos na disfuncionalidade e na invulgaridade da família, traições e insinuações sexuais, irascibilidades e ímpetos constantes em que o pai tenta a todo custo sarar. Nota-se, como se notará mais tarde que o ouro a Deus pertence, que da negrura incessante e da impetuosidade constante de Buck para com a mulher e da agrura também constante de Bill não só pelo fecho do moinho como pelo seu desejo por Griselda (a mulher de Buck) algo trágico irá surgir e colmatar ou ofuscar toda a ideia e toda a obsessão pelo ouro. Ainda assim, e com o filme caminhando sempre para essa tragicidade adivinhada, “God's Little Acre” é no seu fundo uma comédia bucólica e psicológica (como a tudo o que é de Mann) onde reina a loucura e a sexualidade e a letargia e as obsessões e erraticidades quer amorosas quer religiosas.

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